A transição energética que queremos e podemos ter | ESG – Finanças Global On

A transição energética que queremos e podemos ter | ESG

A discussão sobre transição energética está presente na mídia e nos debates de políticas públicas e é determinante para o futuro da humanidade. Mas o que é transição energética e o que ela compreende? Para Dona Baíca, moradora de Jericoacoara (CE), a transição energética foi a chegada da rede elétrica à região: “Aqui não tinha energia, era tudo no escuro. Ia buscar lenha na cabeça, batia a roupa na lagoa”. Desde então, Jericoacoara foi eleita várias vezes uma das melhores praias do planeta e o PIB per capita da região, que era de R$ 6 mil em 2010, passou a cerca de R$ 20 mil em 2020. A chegada da energia foi um evento transformacional que contribuiu para o crescimento econômico e a melhoria da qualidade de vida da comunidade.

Dentro do complexo mosaico da crise mundial do clima, o foco dos debates sobre transição energética está na descarbonização para reduzir a emissão dos gases de efeito estufa. O foco é justificado porque, para limitar o aquecimento global a 1,5ºC até o fim do século, é necessário que as emissões caiam pela metade até 2030, atingindo a neutralidade até 2050. É importante, também, que a transição seja justa e assegure energia a custos competitivos para promover melhor qualidade de vida à população e competitividade às empresas.

Em alguns aspectos há um progresso surpreendente, como os investimentos recordes no sistema de energia em 2022 (1% a 2% do PIB global), com adição líquida de mais de 250 gigawatts de capacidade de energia eólica e solar. As vendas de novos veículos elétricos dobraram na Europa, Estados Unidos e China e o consumo de combustíveis renováveis para transporte na Europa e nos EUA cresceu mais de 50% nos últimos 5 anos.

No entanto, no ritmo atual, o planeta encara um potencial aquecimento de 2 a 3ºC, com todas as consequências nefastas que esse fato acarreta. Adicionalmente à magnitude do desafio em termos de investimentos necessários em infraestrutura (por exemplo, eólicas, solares, rede de transmissão, infraestrutura de carregamento de veículos elétricos), a crescente fragmentação econômica e geopolítica mundial torna a tarefa ainda mais desafiadora.

A coordenação dos esforços entre países é também condicionada pelo ponto de partida de cada um. Para os desenvolvidos, que emitem, em média, 10 toneladas de CO2 per capita por ano e têm PIB per capita de cerca de US$ 45 mil, o desafio é reduzir as emissões mantendo alta qualidade de vida. Para os países mais pobres, que emitem, em média, 3 toneladas de CO2 per capita por ano e têm PIB per capita de cerca de US$ 5 mil, é preciso superar a pobreza energética de forma sustentável, sem criar barreiras para o desenvolvimento. São necessárias soluções para que todos possam continuar a se desenvolver economicamente por meio do acesso a fontes de energia limpas, confiáveis ​​e com custo competitivo.

No caso do Brasil, emitimos cerca de 2 toneladas de CO2 per capita por ano e nosso PIB per capita é de cerca de US$ 8 mil, o que nos posiciona muitíssimo bem na comparação global, ponto que deveria ser mais destacado nos debates mundiais. Do total de emissões brasileiras, cerca de 50% são relativas ao uso da terra e cerca de 25% provenientes da agropecuária, percentual superior ao da maioria dos países desenvolvidos. Entretanto, no setor energético, o país já possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, com aproximadamente 90% da matriz renovável.

Em outras regiões, a participação de renováveis é muito inferior, como nos EUA (22%), na União Europeia (39%) e na China (31%). Em termos de matriz energética primária (que inclui energia usada para transporte como os combustíveis líquidos, incluindo o etanol) também assumimos posição de liderança, com cerca de 45% de fontes renováveis, enquanto EUA, China e UE, em média, possuem menos de 25%.

Contudo, ainda enfrentamos importantes desafios em termos de competitividade. Nossa energia industrial custa quase o dobro do praticado nos EUA e, na energia residencial, mais de 10% da tarifa é usada para pagar subsídios. São questões que devem ser enfrentadas de forma definitiva, pois limitam o crescimento da indústria e o desenvolvimento socioeconômico do país.

Apesar desses desafios, somos um exemplo para o mundo em termos de oferta de energia limpa, com a oportunidade de alavancar essa vocação para acelerar a descarbonização do planeta e catalisar nosso desenvolvimento econômico e social. Contamos com três alavancas principais para capturar essas oportunidades. A primeira é a neoindustrialização com base em energia verde, acelerando a produção e a exportação de produtos industriais de baixo teor de emissões, como o aço verde. A segunda é a exportação de diesel e combustíveis de aviação renováveis, além de derivados de hidrogênio verde, como amônia verde, e combustíveis sintéticos marítimos e de aviação, com potencial de exportação de cerca de US$ 25 bilhões até 2050. A terceira é a monetização de créditos de carbono.

Entretanto, para alcançar esses objetivos, será necessária ampla convergência de ações dos setores público e privado, que inclui:

  • Modernizar o arcabouço legal e regulatório do setor energético para promover competitividade nacional e internacional. A revisão precisa endereçar temas como racionalização de subsídios, impostos, encargos, custo de capital, uso de energia térmica e simplificação de processos setoriais como licenciamentos e outorgas;
  • Promover os atributos diferenciadores do Brasil e de sua posição de liderança no contexto da transição energética global por meio de esforços sinérgicos dos setores público e privado. Essa liderança deveria ser alavancada e garantir papel de destaque nas diferentes plataformas de governança global e de ação climática, em acordos internacionais e, assim, facilitar o posicionamento diferenciado de nossas empresas no cenário internacional;
  • Dinamismo crescente do setor privado para identificar e desenvolver soluções verdes que aproveitem as oportunidades emergentes com a transição energética global e os recursos diferenciados que temos.

O sucesso ao capturar as oportunidades decorrentes da transição pode viabilizar uma importante onda de progresso econômico e social para o Brasil, ao mesmo tempo em que contribui para a transição energética global. Com esse progresso, teremos mais histórias de conquistas e a Dona Baíca, além de ter acesso à energia, contará com uma tarifa mais econômica – e os brasileiros em geral poderão usufruir de empregos melhores e com melhor remuneração.

  • António Farinha é sócio da Bain & Company e líder da prática de Utilities e Renováveis na América do Sul. Com mais de 20 anos de experiência em consultoria de gestão, lidera grandes grupos nacionais e multinacionais em diversos setores. Antes de gerir projetos na América Sul, também atuou pela Bain na Itália e em Portugal. Farinha é graduado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal) e possui MBA com méritos pelo INSEAD (França).
  • Diego Garcia é sócio da Bain & Company e líder da prática de Oil & Gas. Sua atuação inclui a alta gestão de grandes grupos nacionais e multinacionais, bem como organizações do setor público em países como Brasil, Argentina, Colômbia, Chile e Peru. Suas principais áreas de especialização são petróleo e gás, mineração e metais, siderurgia, serviços públicos e renováveis. Graduado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Tecnológico de Buenos Aires (Argentina), Garcia está na Bain desde 2007.

(*) Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

António Farinha  é sócio da Bain & Company — Foto: Bain & Company / Divulgação
António Farinha é sócio da Bain & Company — Foto: Bain & Company / Divulgação

Diego Garcia  é sócio da Bain & Company e líder da prática de Oil & Gas — Foto: Bain & Company / Divulgação
Diego Garcia é sócio da Bain & Company e líder da prática de Oil & Gas — Foto: Bain & Company / Divulgação

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