Quais são as comidas que chefs de cozinha e amantes da boa cozinha odeiam | Eu & – Finanças Global On

Quais são as comidas que chefs de cozinha e amantes da boa cozinha odeiam | Eu &

Mesmo quem diz comer de tudo tende a ter alguma coisa que não engole. Gostos são gostos, e quando o assunto à mesa recai sobre coisas que odiamos, no Sudeste o coentro costuma ganhar fácil. Mas, por favor, não digam isso para um baiano ou para um alentejano. Eles são conhecidos por amar coentro e achar que quem não gosta deve ter algum problema. O paladar também é questão de hábito. E o coentro faz parte da dieta dos portugueses e baianos desde sempre.

A açorda, o prato típico dos camponeses do Alentejo, nada mais é do que uma sopa de coentros com pão, alho, azeite e ovo pochê. “As pessoas no sul de Portugal são criadas com coentro, faz parte da nossa matriz. Eu faço um arroz de coentro com limão que é de morrer de tão bom”, diz o chef alentejano Vitor Sobral, da Tasca da Esquina, com restaurantes em São Paulo, Lisboa e nos Açores.

Sobral viaja pelo Brasil há algumas décadas e se permite dizer que, pelo que conhece, a rejeição ao coentro é mais um preconceito social do que uma questão de sabor.

“Sempre se rejeitou a cozinha regional que vem do Norte e Nordeste, que é uma cozinha mais simples, mais humilde. Não acho normal que em São Paulo, uma cidade com uma das cozinhas mais diversas do mundo, haja tão poucos restaurantes regionais brasileiros. Em compensação, há uma profusão de japoneses, portugueses, franceses e italianos.” Por outro lado, ele reconhece que muitas vezes o coentro é usado em demasia para esconder determinados defeitos do prato. “Quando bem usado, é uma maravilha.”

O baiano Rodrigo Freire, que exercita sua cozinha soteropolitana no Preto, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, também relativiza o ódio ao coentro. “Muitas vezes as pessoas não tiveram uma experiência boa”, diz, ao contar que sua sobremesa “safadinha”, feita com coentro, é o carro-chefe do restaurante.

“Acho que é a primeira sobremesa com coentro socialmente aceita”, diverte-se. E atribui a rejeição ao ingrediente como consequência de algo mais amplo: “No Sudeste as pessoas têm muito orgulho do veio do italiano e do europeu, de forma geral. E nenhum orgulho do que veio dos escravos. A comida no norte da África, de onde vieram grande parte dos escravizados, usa muito coentro”.

Outro ingrediente muitas vezes considerado “sofisticado” e que causa horror em muitos chefs de cozinha é o azeite trufado. O italiano Simone Paratella, natural de Alba, no Piemonte, a capital das trufas, é o primeiro a vociferar com seu português italianado: “Ninguém entra na minha cozinha com azeite trufado!”. Ele e a azeitóloga Ana Beloto, que prepara blends para as marcas Orfeu, em São Paulo, e Vertentes, em Minas Gerais, não se conheciam até serem fotografados juntos para esta reportagem do Valor. O ódio ao trufado, também partilhado pela paranaense Manu Buffara, os uniu.

Gostos, no entanto, são sempre muito subjetivos. Enquanto Paratella prepara um nhoque com trufas naturais que dá o maior ibope entre a clientela do restaurante Simone, que abriu recentemente em São Paulo, o chef paraense Saulo Jennings, da Casa do Saulo, não pode ver trufas pela frente. “Não suporto aquele gosto que toma a boca toda, detesto aquele perfume. Por favor, não cheguem perto de mim com nenhum produto que tenha aroma de trufa.”

Veja, a seguir, alguns outros ódios confessos de quem adora comer.

Ana Beloto, azeitóloga, prepara blends para azeites nacionais e é embaixadora da marca argentina Zuccardi no Brasil: “O azeite trufado causa uma expectativa de delicadeza e sutileza com aromas complexos, mas na realidade é um azeite com sabor e aroma muito intensos que não remete ao gosto da trufa. É um produto que rouba o sabor dos outros alimentos quando é usado para finalizar receitas. Azeite e trufa, só frescos!“.

Anna Rita Zanier, somellière italiana, consultora das importadoras Anima Vinum e Inovini, vive no Brasil desde 1997: “Nós, italianos, temos o culto à matéria-prima e muitas vezes somos considerados chatos. Quando vejo alguém misturar salada com massa me dá arrepio. Também não gosto de misturas de frutas com carne nem de carnes com geleia. Há algo que não como de jeito nenhum: vísceras, dobradinha, buchada, fígado, coração de frango”.

Alexandre Martins Fontes, editor e livreiro: “Quando criança tive anemia e fui obrigado a comer, por um longo período, bife de fígado. Não posso nem ouvir falar em pratos que levam fígado! Adoro Veneza e toda a culinária do Vêneto, mas fujo do ‘Fegato alla Veneziana’ com todas as minhas forças. Outra coisa que detesto é melancia. Não chego nem perto”.

Consuelo Blocker, influenciadora na área de moda e viagens, é brasileira, mas atualmente vive em Florença, na Itália: “Não gosto de miolo nem espinafre. Preciso fazer uma ressalva, porém: uma vez disse a um chef que não comia miolo, e ele levou isso como um desafio e me fez comer um miolo frito de vitela maravilhoso! Outra coisa que não gosto é de misto-quente quando o queijo não está derretido”.

Elia Schramm, suíço radicado no Rio de Janeiro, é chef dos restaurantes Babbo Osteria e Scuola: “Se tem uma coisa que eu não gosto é de descascar chuchu. Ele vai soltando aquela gosma e ferrando a sua mão. Também não sou nada fã de miúdos de boi, como bofe, pulmão, coração e pratos como sarapatel e angu à baiana. Não curto sangue na comida, tirando a galinha à cabidela. Mas, mesmo assim, ela tem seus momentos, que são poucos!”.

Jefferson Rueda, chef d’A Casa do Porco, o restaurante mais premiado do Brasil: “Gosto de tudo no ponto certo. Para quem cozinha há erros comuns no dia a dia. E isto me incomoda: coisa sem sal ou salgada, carne fora do ponto. E macarrão molenga? Antigamente, quando isso acontecia num restaurante eu ficava quieto. Hoje falo pro cozinheiro: deixe a massa um minuto a menos do que está indicado no pacote”.

Manu Buffara, chef de cozinha do Paraná, dona do restaurante Manu, em Curitiba: “Odeio azeite trufado e salmão de cativeiro. Não gosto da textura nem do gosto do salmão de cativeiro. Não entra na minha casa nem no meu restaurante. Só quando estou em viagem me permito comer salmão selvagem, aqui é muito caro e dificílimo de encontrar”.

Michelle Kallas, a Mica, chocolatière e dona da Mica, butique de chocolates artesanais: “Tenho horror quando vou comer alguma sobremesa e descubro que tem massa artificial de pistache. Nossa, aquela cor verde radioativa! E o gosto que deixa um ardido ruim na garganta. Na Mica, a gente só compra pistache iraniano e faz a nossa própria pasta para os bombons. Fica uma cor verde escura. Acredita que tenho clientes que estranham e dizem que esperavam mais gosto de pistache? O problema é que essas pastas artificiais deseducam o gosto das pessoas”.

Rodrigo Freire, chef do Restaurante Preto, de cozinha baiana: “Não gosto de cebola crua. Detesto aquela crocância, parece areia! Tenho uma técnica especial que desenvolvi pra tirar essa textura e manter o sabor. Branqueio com fogo muito, muito baixo e muita gordura. Só uso azeite de oliva, dendê ou banha de porco. O resto é paciência, porque é preciso tempo. Eu, que não como cebola, gosto muito do bife de cebola que faço”.

Saulo Jennings, chef especializado em cozinha do Tapajós. Seu restaurante, a Casa do Saulo, tem unidades em Belém, Santarém e Rio: “A única coisa no mundo que detesto é trufa e qualquer coisa feita com ela. Aquele aroma enjoativo… meu Deus! Também não gosto de falta de respeito com ingredientes. Por exemplo: peixe no catupiry. Não dá pra pegar um peixe maravilhoso e mascarar o sabor com um produto industrializado. Quer ver outra coisa horrível, muito comum no Norte e Nordeste? Uísque com água de coco. É o fim!”.

Simone Paratella, dono do restaurante Simone, em São Paulo. Vive entre Alba, no Piemonte, São Paulo e Belo Horizonte, onde tem o Pasta Lab: “Não gosto de coisas industrializadas e superprocessadas, a razão é que contêm muita química. Por isso, não suporto azeite trufado, é química pura e você sente o sabor artificial na hora. Se você pega um italiano que faz comida de verdade, ele não usa azeite trufado. Também detesto maionese e ketchup”.

Tereza Paim, chef e proprietária de várias casas em Salvador: Casa de Tereza, Boteco da Tetê, Mesa de Tereza e Tabuleiro da Chef: “Gosto de coisas crocantes e tudo o que é gelatinoso me causa horror. Passei mal na China com pé de galinha. No supermercado contei 28 marcas de snacks de pé de galinha, acredita? Só não tem mais variedade do que de arroz. Lá eles também fazem meatballs [bolinhos com carne moída]. Fui num jantar e provei um prato com aquelas bolinhas… Eram feitas com puro nervo! Chamei por Deus, por Maria José, tive que cuspir disfarçadamente no guardanapo e não podia dar vexame, porque eu era convidada. Que desespero!”.

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