Argentina não deve acabar com seu Banco Central | Banco Master – Finanças Global On

Argentina não deve acabar com seu Banco Central | Banco Master

Artigo assinado por Paulo Gala*

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, está prometendo aos argentinos a dolarização da economia e extinção do Banco Central como forma de acabar com a inflação. A Argentina não tem reservas em dólar nem fluxos comerciais ou financeiros positivos que garantam a entrada desses recursos no país.

A capacidade de endividamento em dólares do governo tanto com o FMI quanto com a China ou outros credores já está prejudicada devido ao enorme estoque de dívida corrente emitida. Não parece também provável que argentinos que têm dólares fora do país internalizem esses recursos neste momento.

Sem oferta de dólares por qualquer um desses canais o plano de Javier Milei parece de difícil execução. Extinguir o Banco Central argentino traria ainda mais problemas para a gestão de uma economia que já está numa crise inflacionária e com grandes chances de entrar numa crise financeira e de atividade econômica.

Vale a pena recapitular abaixo as funções de um Banco Central moderno para entender o risco que a Argentina corre hoje se o plano Milei for adiante:

1) Garantia da Estabilidade Financeira: Os Bancos Centrais monitoram e regulam instituições financeiras para garantir a estabilidade do sistema financeiro e evitar crises bancárias. Colocam requisitos de capital e normas prudenciais para garantir a solidez financeira das instituições. Os bancos comerciais multiplicam os depósitos à vista em empréstimos aos seus clientes. A autoridade monetária limita essa multiplicação exigindo que os bancos deixem parte dos seus passivos (recursos de terceiros) guardada de maneira compulsória.

2) Controle da Moeda e Taxa de Juros: Dolarizar a economia, e por conseguinte a oferta de moeda, limitaria a determinação da taxa de juros aos fluxos comerciais e financeiros, ou seja: a única forma de a Argentina ter juros baixos (com oferta monetária mais elevada) seria através de saldos comerciais elevados e a única forma de se fazer isso no curto prazo seria diminuir as importações com recessão e contração de atividade econômica.

3) Emprestador de Última Instância: A autoridade monetária tem como função manter a liquidez dentro do sistema financeiro em patamares adequados. Se um banco comercial não consegue fechar seu caixa e não consegue fazer empréstimos com os outros bancos comerciais, pode pedir ao Banco Central esses recursos. Por exemplo: recentemente o BC americano socorreu bancos que haviam contraído exposição exagerada a títulos públicos durante o choque de juros do Fed. A abertura de uma janela de socorro em 2023 evitou que a quebra dos bancos SVB, First Republic e Signature Bank contaminasse o todo o sistema financeiro americano.

4) Gestão da Política Econômica: Os Bancos Centrais modernos trabalham com o governo na coordenação de políticas monetárias e fiscais para atingir metas econômicas comuns. Efetuam compra de títulos públicos em operações de mercado aberto para ajudar na gestão da dívida publica. Muitos Bancos Centrais também têm uma meta explícita de inflação como parte de sua política monetária, buscando manter a estabilidade de preços para promover um ambiente econômico saudável.

Renunciar a um Banco Central significaria abdicar de uma serie de ferramentas de controle e prevenção de crises. Acabar com o Banco Central para tentar eliminar a inflação equivaleria a colocar a culpa da doença no remédio que está sendo administrado. Por outro lado, dolarizar a economia não é uma opção para um país que não tem dólares excedentes nem em fluxos comerciais e financeiros nem em estoques monetários. Os próximos passos de Javier Milei deverão ser mais pragmáticos, e o BC argentino deve permanecer. Erros passados de gestão de política econômica como falta de acumulação de reservas, excessivos subsídios em preços vitais da economia, contas públicas fora de controle e gestão monetária inflacionária não justificam mais um erro que seria a extinção do Banco Central.

  • Javier Milei, presidente eleito da Argentina, propõe a dolarização da economia e a extinção do Banco Central para combater a inflação descontrolada
  • A Argentina enfrenta falta de reservas em dólar; déficits comerciais e financeiros; e dificuldade de endividamento em dólares devido à grande quantidade de dívida corrente
  • Funções do Banco Central Moderno: garantia da estabilidade financeira, regulação de instituições financeiras, controle da moeda e taxa de juros, emprestador de última instância, manutenção da liquidez no sistema financeiro, prevenção de crises, gestão da política econômica
  • Dolarização não é viável: a Argentina não possui excedentes de dólares em seus fluxos comerciais, financeiros ou estoques monetários
  • Próximos passos de Milei devem ser mais pragmáticos, erros passados não justificam a extinção do Banco Central

* Economista-chefe do Banco Master de Investimento. Graduado em Economia pela FEA USP, Gala é mestre e doutor em Economia pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo, instituição em que leciona desde 2002 e na qual foi coordenador do Mestrado Profissional em Economia e Finanças, entre 2008 e 2010. Foi pesquisador visitante nas universidades de Cambridge (RU) e Columbia (NY) e atuou como economista-chefe, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo.

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