Imposto seletivo na PEC 45: Incidência muito além dos males à saúde e ao meio ambiente | Fio da Meada – Finanças Global On

Imposto seletivo na PEC 45: Incidência muito além dos males à saúde e ao meio ambiente | Fio da Meada

A aprovação da PEC 45 na Câmara dos Deputados e o debate que se estabelecerá no Senado Federal têm animado as discussões acerca da configuração dada ao IBS e à CBS, na versão nacional de um IVA dual. Pontos relacionados à extensão do princípio da não cumulatividade e eventuais limitações que a comprovação do pagamento dos tributos na etapa anterior pode gerar, a possibilidade de emendar o texto para incluir novos beneficiários de regimes especiais, tais quais as sociedades prestadoras de serviços uniprofissionais, e a discussão sobre o alcance dos bens e serviços abrigados pela redução de alíquotas são tópicos presentes nos diversos textos e mesas de debates realizadas em torno do tema.

Neste artigo, porém, gostaria de chamar atenção para um ponto da reforma que não se relaciona com o IBS ou com a CBS, a despeito de estar presente na nova estrutura de tributação do consumo apresentada pela PEC 45: trata-se do imposto seletivo, tributo de competência da União que, na redação da PEC, seria incluído no inciso VIII do artigo 153 da Constituição. O tributo seria passível de incidir sobre a “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei”.

Em linhas gerais, com essa incidência pretende-se assegurar a tributação mais onerosa de bens e serviços que geram externalidades negativas – o maior ônus tributário sobre cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis fósseis é o objeto claro dessa política.

A justificativa estaria fundamentada em duas ideias centrais. A primeira é a de que tributos mais pesados sobre determinados bens desestimulam o consumo. A segunda se relaciona com a necessidade de se impor maiores ônus tributários na circulação de tais bens em razão do impacto negativo que causam às contas públicas. Não se trata, pois, de paternalismo estatal ou limitação à autonomia do particular. A premissa é a de que a escolha individual relacionada ao consumo desses bens geram impactos públicos e, assim, demandam políticas públicas voltadas à restrição do consumo e ao financiamento das despesas causadas pela indústria respectiva.

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Nos termos da PEC 45, a União poderá criar impostos seletivos nas diversas etapas de circulação do bem causador de externalidades negativas específicas, não sendo desarrazoado cogitar, inclusive, da tributação dos insumos, já que o texto menciona a incidência não apenas na comercialização desses bens, mas também na produção. De outro lado, a escolha de não detalhar os bens e serviços que seriam passíveis desse ônus adicional confere à União a possibilidade de tributar seletivamente bens que, hoje, são inadequadamente poucos tributados, a despeito dos malefícios comprovados à saúde – bebidas e alimentos ultraprocessados são exemplares nesse sentido. Por fim, como já mencionei nesta coluna, a redação atual não permite a tributação mais onerosa de armas de fogo e munições – equívoco que, espero, seja corrigido pelo Senado Federal.

As críticas à abertura constitucional do imposto seletivo são muitas: alega-se que a União terá um cheque em branco, pois seria possível argumentar que quase todo produto, em alguma medida, é causador de males à saúde ou ao meio ambiente, o que tornaria as possibilidades de incidência potencialmente infinitas.

A despeito disso, se bem utilizado e concentrado nas atividades que comprovadamente devem ser desestimuladas e mais oneradas, o mecanismo tem se mostrado eficaz nas experiências internacionais. Por essa razão, minhas dúvidas em torno dessa incidência não se concentram na abertura constitucional desmedida ou mesmo no eventual risco de sobretributação indevida. Meu receio é justamente o contrário: os lobbys presentes no Congresso Nacional podem, muito bem, interditar tributação mais elevada sobre bens que, hoje, possuem políticas tributárias sólidas – a indústria tabagista pode ser indicada como um exemplo desse ponto.

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Para além do risco de a tributação seletiva se tornar um conjunto vazio, em razão dos grupos de pressão no Parlamento, há um outro, que tem sido pouco comentado: a utilização dos impostos seletivos como instrumentos de manutenção do diferencial competitivo da Zona Franca de Manaus.

A previsão está no artigo 92-B do ADCT e permite a ampliação da incidência do imposto seletivo “para alcançar a produção, a comercialização ou a importação de bens que também tenham industrialização na Zona Franca de Manaus ou nas áreas de livre comércio” existentes em 31 de maio de 2023, “garantido tratamento favorecido às operações originadas nessas áreas incentivadas”.

Ou seja, pela aplicação do artigo 92-B do ADCT, a tributação seletiva pode ser tornar ordinária e incidente sobre bens que estão fora do escopo do artigo 153, inciso VIII da Constituição.

Os malefícios à saúde ou ao meio ambiente deixam de ser condição para a incidência; o pressuposto é deslocado para a produção do bem na Zona Franca de Manaus. Tal previsão evidentemente desvirtua a tributação seletiva; em verdade, abandona-se a ideia de sobretributar bens e serviços causadores de externalidades negativas para, apenas, repaginar o IPI.

Esse argumento fica reforçado pela previsão contida no artigo 153, parágrafo 1º, que insere o imposto seletivo entre aqueles que poderão ter suas alíquotas modificadas pelo Poder Executivo. Ora, não sendo a tributação seletiva regulatória ou sensível às variações do mercado, tal prerrogativa não faz nenhum sentido. Deve-se tributar mais determinadas categorias de bens e serviços porque as externalidades negativas que causam são perenes e não contingenciais. A possibilidade de alteração de alíquotas via decreto dá margem a variações causadoras de insegurança jurídica e sem qualquer fundamento lógico, à luz da natureza do imposto.

Com o desenrolar dos debates no Senado Federal, espera-se que esses pontos sejam devidamente enfrentados. A possibilidade de impostos seletivos sobre bens e serviços que comprovamente geram externalidades negativas deve ser aplaudida no contexto da PEC 45. Contudo, o desenho integral do tributo precisa ser significativamente melhorado, sob pena de apenas conferirmos nova roupagem ao IPI, em franca contradição com o discurso de simplificação que envolve a necessidade de aprovação de uma reforma tributária sobre o consumo.

Imposto seletivo na PEC 45: Incidência muito além dos males à saúde e ao meio ambiente — Foto: Daniel Acker/Bloomberg

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