Assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, 81, diz que está um pouco pessimista quanto às chances de interlocução com o governo de Israel, sem que Tel Aviv, nas palavras dele, pare com a matança na Faixa de Gaza.
“Na situação atual não há como negociar”, afirma. Conselheiro do presidente Lula, o diplomata também classifica de genocídio a ofensiva israelense em Gaza e reclama de “uma estranha aliança” de Israel com a extrema direita brasileira.
Sobre a cobrança para que Lula peça desculpas a Israel por ter equiparado as ações em Gaza aos métodos de Hitler, Amorim é taxativo. “Vai ficar pedindo. Se é que ele está insistindo mesmo. Não sei se ele [Binyamin Netanyahu] faz isso por demagogia interna ou por qualquer outra razão, mas certamente se ele está esperando isso não vai receber. Não posso falar pelo presidente, mas eu não vejo nada, não vejo razão para o presidente se desculpar”.
Nascido em Santos (SP), é bacharel em direito e tornou-se diplomata ao concluir o curso no Instituto Rio Branco em 1965. Foi ministro das Relações Exteriores nos governos Itamar Franco (1993-1995) e nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). Também foi ministro da Defesa de Dilma Rousseff (2011-2014). Desde janeiro do ano passado, é assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais.
Passada uma semana desde a declaração do presidente Lula, o senhor acredita na possibilidade de reaproximação com o governo de Israel?
Celso Amorim – Nunca estivemos afastados do povo judeu, nem sequer do Estado de Israel, cuja existência nós defendemos. O problema é que esse governo, além do que ele está fazendo em Gaza, comportou-se de uma maneira diplomaticamente inadmissível. Nunca vi nem na Guerra Fria o Khrushchev [União Soviética] dizer que o Kennedy [Estados Unidos] era uma persona non grata ou vice-versa. A maneira como o nosso embaixador foi tratado também foi lamentável. Fizeram um espetáculo público.
O sr. acha que foi uma armadilha?
Celso Amorim – Foi uma armadilha porque eles fizeram um circo. Então são duas coisas. Uma é a relação mais profunda Brasil-Israel que é uma relação boa. O presidente Lula foi o primeiro presidente brasileiro a visitar Israel. Como é que podem dizer que ele negou o Holocausto? É um absurdo, é mentira. Agora, a condição mais importante [para reaproximação com Israel] é parar a matança. Muito difícil negar que é genocídio. Atiraram bomba para matarem cem, porque talvez tenha uma pessoa do Hamas. Não sou eu que estou dizendo isso. Há uma medida cautelar da Corte Internacional de Justiça.
Não tem possibilidade de diálogo com o governo Netanyahu?
Celso Amorim – Eu acho praticamente impossível. Pode ser que mude de atitude; eu sou um pouco pessimista. Obviamente esse governo não quer que exista a Palestina, nem em Gaza nem na Cisjordânia. Uma das declarações citada pela África do Sul, mas repetida pela Corte, é de que não há inocentes. Se não há inocentes, é preciso eliminar todo mundo. Diferenciar isso de genocídio é muito difícil. Claro que nada é comparável diretamente ao Holocausto pelo número, pela quantidade, por uma série de coisas, mas ninguém também tem um monopólio do sofrimento.