A política externa do governo Lula 3 e as falas polêmicas do presidente colocam em xeque a capacidade do Brasil de se apresentar como ponte entre países pobres e ricos, Ocidente e Oriente, Norte e “Sul Global”, na visão de analistas ouvidos pelo Valor.
Essa habilidade será posta à prova em dois eventos nesta semana: a viagem de Lula à Guiana, em que Lula participa como convidado da Cúpula da Caricom (Comunidade do Caribe), e a São Vicente e Granadina, onde haverá o encontro de chefes de Estado da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos); e no encontro de presidentes dos Bancos Centrais do G20, em São Paulo. Os eventos servirão como teste para a capacidade do Brasil de exercer sua liderança regional, mediar o contencioso territorial entre Venezuela e Guiana e de conseguir mais financiamento dos países ricos para as nações em desenvolvimento.
Os encontros ocorrem no momento em que a política externa brasileira sofre questionamentos sobre sua neutralidade em conflitos como a guerra em Gaza, sobretudo após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter comparado a ofensiva israelense no enclave palestino ao Holocausto. Também há cobranças relacionadas ao processo eleitoral venezuelano, em que Lula reluta em condenar a prisão de opositores e a impugnação de candidaturas de rivais do presidente Nicolás Maduro. O presidente tem sido acusado ainda de adotar uma postura pró-Russia na guerra com a Ucrânia e na opressão a opositores de Vladimir Putin.
“Nominalmente, o objetivo estratégico da política externa do atual governo Lula é transformar o Brasil em uma ponte entre ricos e pobres, entre poderosos e fracos, entre o Norte e o Sul Global. A pergunta é: as coisas que ele está fazendo na prática ajudam ou atrapalham nesse objetivo?”, diz Matias Spektor, professor da escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.
Para Spektor, o padrão adotado nesses conflitos tem sido “em vez de se colocar como mediador, o Brasil se coloca tomando partido de uma das duas partes”.
“Isso não tem problema se o objetivo da política externa for tomar partido. Agora, se o objetivo for se tornar uma ponte, isso é altamente problemático”, afirma.
Para ele, a dificuldade de Lula em condenar os abusos cometidos por Maduro e sua crítica à “pressa” em apontar Moscou como culpada pela morte do opositor Alexei Navalny geram questões nos dois lados do tabuleiro geopolítico.
“Todo o mundo respirou aliviado quando o Lula venceu o [Jair] Bolsonaro na eleição. Porque ele é visto como um líder do Sul Global que tem credenciais democráticas inquestionáveis para os ocidentais. E, por outro lado, os chineses o veem como um líder com capacidade de ser firme contra o Ocidente, mas ao mesmo tempo arrancar concessões”, diz Spektor. “As declarações do Lula sobre o Navalny e sobre o Maduro fazem com que o Ocidente questione essas credenciais. E a pergunta na China é se o Brasil continua sendo capaz de organizar o Sul Global para dialogar e arrancar coisas do Ocidente.”