Não muito tempo atrás, funcionários de uma fazenda no interior de São Paulo pediram ao patrão para receber os salários em datas variadas. Era uma tentativa de driblar os supermercados, que sempre subiam os preços na véspera dos pagamentos. Assim era a vida no período da hiperinflação: uma corrida maluca entre salários e preços, na qual os trabalhadores sempre saíam perdendo.
Mal comparando, é a triste realidade vivida na Argentina nos dias de hoje. Enquanto aqui no Brasil a batalha é para colocar a inflação dentro da meta de 3% ao ano, lá a taxa chegou a 254% nos 12 meses encerrados em janeiro.
Porém, não é o caso de fazer como algumas torcidas de times brasileiros, que tripudiam dos hermanos queimando as desvalorizadas cédulas de peso. O Brasil passou por processo pior, com a taxa anual batendo nos 3.000%. Só se livrou da hiperinflação com a edição do Plano Real, em 1994, após uma sequência de seis tentativas fracassadas de estabilizar os preços (Cruzado, Cruzado II, Bresser, Verão, Collor I e Collor II) ao longo de cinco anos.
Na sexta-feira, 1º de março, completam-se 30 anos da entrada em vigor da Unidade Real de Valor (URV), uma “quase-moeda” que preparou o terreno para a chegada do real. Foi uma inovação que permitiu ao país migrar de uma economia com inflação muito alta, acima de 40% ao mês, para um cenário de taxas bem menores, sem choques nem congelamento de preços. Em julho de 1994, quando a URV deu lugar ao real, a taxa havia recuado para 6,84%. No mês seguinte, estava em 1,86%.
O Plano Real não só estabilizou preços como também foi ponto de partida para uma série de reformas que estão até hoje na base da economia brasileira. Além disso, elegeu um presidente: Fernando Henrique Cardoso, senador eleito pelo PSDB de São Paulo e ministro da Fazenda na elaboração do plano.
Nas palavras de um dos “pais” do Real, o economista Edmar Bacha, Fernando Henrique foi o “milagre” que viabilizou o plano. “Sem ele, nada disso teria acontecido”, afirmou, em entrevista ao Valor. Outro “pai”, Persio Arida, diz que a existência de uma liderança política capaz e de uma boa equipe técnica tornou possível o que parecia não ser.
O plano foi gestado no governo de Itamar Franco, que assumiu a Presidência da República em definitivo em dezembro de 1992, quando Fernando Collor de Mello renunciou ao cargo, às vésperas de o Congresso decidir seu impeachment. Itamar estava no cargo desde outubro daquele ano, quando Collor foi afastado em função do julgamento.