Desinflação nas principais economias pode ter estagnado e surpreender mercados, alerta FMI | Finanças – Finanças Global On

Desinflação nas principais economias pode ter estagnado e surpreender mercados, alerta FMI | Finanças

O processo de desinflação nas principais economias globais pode ter começado a estagnar, afirma o “Capítulo 1 do Relatório de Estabilidade Financeira Global (GFSR)”, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O órgão alerta para o risco de que, conforme dados dos índices de preços se mostrem mais elevados, a narrativa de “última milha” da inflação seja colocada em xeque.

“Existem evidências recentes de que a desinflação pode ter estagnado em alguns países e que a inflação subjacente pode ser persistente em alguns setores”, afirmam os técnicos do organismo financeiro internacional.

Os especialistas do FMI alertam que “a estagnação da desinflação poderá surpreender os investidores, que estão cada vez mais convencidos de que a batalha contra a inflação já foi vencida e que as taxas baixas prevalecerão novamente”.

O documento faz a ressalva de que “em alguns países, o núcleo da inflação foi superior às previsões dos analistas durante meses consecutivos”. “Leituras mais elevadas do que o esperado poderão desafiar a narrativa da última milha e o otimismo dos investidores relacionado, conduzindo potencialmente a uma reavaliação dos preços no mercado financeiro e a uma maior volatilidade.”

Uma mudança súbita de sentimento dos mercados pode afetar, especialmente, o mercado global de dívida. Segundo o FMI, “as vulnerabilidades da dívida continuam a crescer, com os setores público e privado em muitos países tendo contraído empréstimos pesados, embora as taxas de juro ainda sejam elevadas e o crescimento econômico provavelmente não acelere”.

O GFSR lembra que “um sentimento de otimismo permeou os mercados financeiros nos últimos meses, num contexto de confiança dos investidores de que a luta contra a inflação está entrando na sua ‘última milha’ e que os bancos centrais irão flexibilizar a política monetária nos próximos meses”.

O fundo ressalta que, diante destas expectativas, “os mercados de ações em todo o mundo subiram substancialmente e os ‘spreads’ [retorno acima do custo de oportunidade] de empréstimos corporativos e soberanos diminuíram”. Além disso, “as moedas e os fluxos de capitais dos principais mercados emergentes permaneceram resilientes, enquanto vários mercados fronteiriços recuperaram o acesso ao financiamento internacional”.

A perspectiva de um desafio maior que o esperado para os BCs globais, especialmente o Federal Reserve (Fed, o BC americano), conseguirem completar a missão de controle sustentado de preços pode pesar sobre o sentimento dos investidores e aumentar a aversão à tomada de risco. Junto a essa questão, os especialistas do fundo ressaltam existirem outros obstáculos, como as tensões geopolíticas e no setor imobiliário comercial. São fatores que “tornaram-se mais agudos, o que poderá aumentar a pressão sobre alguns credores”.

Os mercados financeiros da China “continuaram a ser pressionados pelos problemas persistentes no setor imobiliário”, acrescenta o relatório.

Após uma rápida desaceleração mundial, a inflação divergiu mais recentemente entre os países. “Os dados deste ano mostram que a inflação subjacente acelerou nos três meses mais recentes, em comparação com os três meses anteriores, numa série de grandes economias avançadas e emergentes — República Checa, França, Alemanha, Itália, Filipinas, África do Sul, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Olhando para o futuro, alguns investidores parecem antecipar que as pressões sobre os preços poderão não diminuir rapidamente.”

Na visão do fundo monetário, “as expectativas de inflação nas principais economias durante os próximos um ou dois anos — implícitas na diferença entre as taxas nominais dos títulos governamentais e as indexadas à inflação — têm subido novamente”.

As taxas de inflação, reforça o fundo, “permanecem acima das metas de 2% [ao ano] de bancos centrais como na França, no Reino Unido e nos Estados Unidos, ou 3%, como no Brasil e no México”. Ao mesmo tempo, “uma intensificação das tensões geopolíticas poderá perturbar ainda mais o transporte marítimo e a produção de energia e aumentar novamente a inflação”.

De acordo com o FMI, “até agora, os mercados financeiros têm permanecido relativamente otimistas quanto à estagnação da desinflação e a outros riscos, com a volatilidade nas principais classes de ativos atualmente em níveis baixos”. Mas, segundo análise do relatório, “tradicionalmente, uma divergência entre a volatilidade dos preços dos ativos e [o nível de] incertezas precedeu os picos de volatilidade, que podem ocorrer quando os investidores são sacudidos por choques adversos”.

Apesar do aumento das incertezas, “os investidores antecipam cortes substanciais nas taxas [de política moentária] neste ano — redução de cerca de 75 pontos base [0,75 ponto percentual] por parte do Banco Central Europeu [BCE] e do Banco Central do Brasil”. Apesar de uma série de surpresas de uma inflação nos Estados Unidos acima do esperado, “espera-se ainda que o Fed reduza as taxas em cerca de 50 pontos base [0,5 ponto]”.

Os investidores parecem confiar que os BCs conseguirão aliviar a política monetária, se ficar claro que a inflação está desacelerando mais. “Mas se a inflação continuar elevada, essas expectativas poderão ruir, o que poderá levar a uma venda correlacionada de ativos, desde títulos de dívida a ações e a ativos criptográficos.” Neste cenário, “as condições financeiras seriam globalmente mais restritivas”.

Além disso, globalmente, “os devedores teriam mais dificuldade em pagar o serviço da dívida [imobiliária], diante das taxas mais elevadas”. Nos mercados emergentes, os detentores de financiamentos imobiliários “são muitas vezes afetados de forma desproporcional nessas situações”.

Conforme o FMI, “os mercados emergentes mais vulneráveis — aqueles com classificações de crédito ‘B’ e ‘CCC’ ou inferiores — enfrentam o maior aumento nas taxas”. Um aperto das condições financeiras globais impulsionado pela inflação tornaria o refinanciamento ainda mais difícil, diz o GFSR.

O relatório ressalta que, nas economias com uma inflação ainda persistente e acima da meta, “os BCs não devem relaxar as condições muito cedo para evitar ter que recuar mais tarde e devem também resistir às expectativas excessivamente otimistas quanto à flexibilização da política monetária”.

O órgão internacional lembra que “preservar a estabilidade financeira ao longo da última etapa [de desinflação] exige uma abordagem multifacetada”. As autoridades reguladoras financeiras devem tomar medidas para garantir que os bancos e outras instituições possam suportar a inadimplência e outros riscos, utilizando testes de esforço, ações corretivas preventivas e outras ferramentas de supervisão.

“Os reguladores devem dar prioridade à implementação plena e consistente das normas prudenciais acordadas internacionalmente, nomeadamente finalizando a introdução progressiva de Basileia III. Novos progressos nos quadros de recuperação e resolução são também de primordiais, para limitar as consequências do desaparecimento de instituições mais fracas.”

Nesse sentido, o FMI avalia ser necessário manter as ferramentas de liquidez em prontidão. “Os BCs devem garantir que os bancos tenham acesso a facilidades de liquidez quando necessário e estar preparados para intervir precocemente para fazer face às tensões de financiamento no setor financeiro”, considera.

Sede do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington — Foto: Samuel Corum/Bloomberg
Sede do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington — Foto: Samuel Corum/Bloomberg

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